Por Patrícia dos Santos (Letras/UFFS)
Já eram três da manhã quando desliguei o televisor após uma entretida jornada de seriados americanos. Assisto seriados na madrugada para me sentir gente. Eles me tiram o peso dos meus vinte e sete anos chegando. Chegam gritando fino ao pé do ouvido que a estrada tem pedregulhos e vou passar o resto dos meus dias com os joelhos e cotovelos ralados. Ralados de cachorro lamber. Mesmo.
Envolta nessa aura de gravidades e leviandades, entrei num banho de água muito quente, que escorreu sobre meu rosto e levou com ela rimeis e batons, assim no plural mesmo, pois eles nunca vão embora completamente. Não há dúvidas que morreremos levando conosco resquícios de nossas primeiras mentiras.
Mesmo com o ar fresco da madrugada, arrisquei num pijama leve. Deitei a cabeça sobre o travesseiro, fechei os olhos e respirei fundo: daqui a quatro horas devo acordar e começar tudo de novo. Foi nesse momento, exatamente no momento que não é dia nem noite em nossa alma, no momento do lusco fusco cor de rosa dos Emirados Árabes da nossa cabeça, no momento em que pesa a pálpebra lotada de grãos de areia doce da pêra, que meu peito foi invadido por uma sensação que julgo, se for de morte, oxalá morramos todos.
Senti a cicuta descendo pela garganta ao mesmo tempo em que o cheiro das flores de pêssego inundava meus pulmões. Afogando-me. Submersa em imagens de um único e inconfundível rosto de inocência e medo do que é real... Recitei, de fora pra dentro, o poema mais bonito do sul do meu norte, que se chama “Gostar”. Porque amar? Gostar tem mais gosto de amor.
Os primeiros versos chegaram abrindo caminho. Foram tantos ais, que me perco na lembrança. Quando chegas traz a primavera nos ombros/quando passas deixas seu borboletário/diário/sorrindo pra mim. When you arrive brings the spring at the shoulders/when you go letting butterflies along the way/daily/smiling at me. Vozes interpretaram a Serenade enquanto meu corpo sobre a cama, calculadamente confortável, formava a metade solitária daquilo que as mãos mais fantasiosas dos seres humanos mais românticos desenham sob o nome de coração.
Numa dupla jornada senti o cheiro de cada flor do jardim que havia se tornado meu quarto, and the smell of each flower of garden called “my room”. Nossas línguas se encontraram e segui, noite adentro, dialogando sob todo e qualquer sentido que esse ato possa abranger, com aquele que me falava com hálito de setembro, tentando ser para ele o mais março possível.
Despertei vagarosamente sentindo o roçar da cortina, branca como a nuvem que me anunciou o novo dia. Não tenho dúvidas de que era a mão de Keats, me despertando do sonho, mas me lembrando que para Endymion, o que é belo há de ser eternamente.
A autora é acadêmica da 4ª fase do Curso de Letras da UFFS e, para ela, esse texto tem textura, formato e gosto de romã. Se seu relato não lhe tocou a alma, experimente com a fruta.
Já eram três da manhã quando desliguei o televisor após uma entretida jornada de seriados americanos. Assisto seriados na madrugada para me sentir gente. Eles me tiram o peso dos meus vinte e sete anos chegando. Chegam gritando fino ao pé do ouvido que a estrada tem pedregulhos e vou passar o resto dos meus dias com os joelhos e cotovelos ralados. Ralados de cachorro lamber. Mesmo.
Envolta nessa aura de gravidades e leviandades, entrei num banho de água muito quente, que escorreu sobre meu rosto e levou com ela rimeis e batons, assim no plural mesmo, pois eles nunca vão embora completamente. Não há dúvidas que morreremos levando conosco resquícios de nossas primeiras mentiras.
Mesmo com o ar fresco da madrugada, arrisquei num pijama leve. Deitei a cabeça sobre o travesseiro, fechei os olhos e respirei fundo: daqui a quatro horas devo acordar e começar tudo de novo. Foi nesse momento, exatamente no momento que não é dia nem noite em nossa alma, no momento do lusco fusco cor de rosa dos Emirados Árabes da nossa cabeça, no momento em que pesa a pálpebra lotada de grãos de areia doce da pêra, que meu peito foi invadido por uma sensação que julgo, se for de morte, oxalá morramos todos.
Senti a cicuta descendo pela garganta ao mesmo tempo em que o cheiro das flores de pêssego inundava meus pulmões. Afogando-me. Submersa em imagens de um único e inconfundível rosto de inocência e medo do que é real... Recitei, de fora pra dentro, o poema mais bonito do sul do meu norte, que se chama “Gostar”. Porque amar? Gostar tem mais gosto de amor.
Os primeiros versos chegaram abrindo caminho. Foram tantos ais, que me perco na lembrança. Quando chegas traz a primavera nos ombros/quando passas deixas seu borboletário/diário/sorrindo pra mim. When you arrive brings the spring at the shoulders/when you go letting butterflies along the way/daily/smiling at me. Vozes interpretaram a Serenade enquanto meu corpo sobre a cama, calculadamente confortável, formava a metade solitária daquilo que as mãos mais fantasiosas dos seres humanos mais românticos desenham sob o nome de coração.
Numa dupla jornada senti o cheiro de cada flor do jardim que havia se tornado meu quarto, and the smell of each flower of garden called “my room”. Nossas línguas se encontraram e segui, noite adentro, dialogando sob todo e qualquer sentido que esse ato possa abranger, com aquele que me falava com hálito de setembro, tentando ser para ele o mais março possível.
Despertei vagarosamente sentindo o roçar da cortina, branca como a nuvem que me anunciou o novo dia. Não tenho dúvidas de que era a mão de Keats, me despertando do sonho, mas me lembrando que para Endymion, o que é belo há de ser eternamente.
A autora é acadêmica da 4ª fase do Curso de Letras da UFFS e, para ela, esse texto tem textura, formato e gosto de romã. Se seu relato não lhe tocou a alma, experimente com a fruta.
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