sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Crônica

Prezado Willian,

Lembro-me bem da noite em que concluíste a crônica “O cheiro nada esquece”, e que me deste o prazer de lê-la em primeira mão. Nessa noite, apenas devorei seu jogo de sentidos com as palavras sob um olhar quase clínico, já que as letras são minha paixão.


Nessa manhã, em que despertei de um sono cansado e merecido, vi seu texto publicado e o reli. Cada gole do café que bebia me fazia fechar os olhos e buscar, na correnteza da minha mente, ondas de cheiros misturados com sabores que me permitiram revisitar inúmeros lugares no mundo. E na minha vida. 


Mal terminei o café e um novo perfume bateu em minha porta.

Por isso resolvi escrever-te.

Saudações,

Patrícia.


Não é eu, sou você


Patrícia dos Santos (Letras/UFFS)

Ele veio para se despedir, disposto a deixar seu rastro no quadriculado do chão e suas digitais corrimão acima. Mãos acima, atrás da cabeça. Foi como um assalto decifrar sua imagem subindo, a passos indecisos, as escadas do meu prédio. Mãos ao alto no momento em que seus braços contornaram minha cintura sem me dar alternativa além de contornar seu pescoço com os meus, numa tentativa instintiva de manter o equilíbrio que a surpresa de sua presença insistira em tirar-me.

As pontas dos pés se chocaram, ingênuas, não intencionadas, e um resquício do esmalte cor-de-rosa da unha maior do meu pé direito ficou em seu sapato. O abraço é a ferramenta perfeita para carimbarmos nosso cheiro em alguém. Eu soube, naquele momento, os pontos exatos em que, calculadamente, foram despejadas as gotas de perfume que fariam a correnteza dos meus pensamentos visitarem cada poro da pele daquele que mal me encostara.

Ficou na gola da minha blusa e nas dobras internas dos meus braços. Ficou nas palmas das minhas mãos e nos lóbulos das minhas orelhas. Uma sensação de furta-cheiro, em que qualquer movimento liberava uma nota diferente. Fiquei imóvel, parada no topo da escada, na indecisão de correr e impedir sua partida, sob o risco de o perfume se dissipar na fumaça de realidade que envolve tudo que é do portão pra fora.

Landlord. O perfume ganhou esse nome porque o efeito de propriedade que causou sobre mim, ao me tomar nos braços, foi dimensionado de tal forma que senti um quase afogamento, uma overdose em respirar a mim mesma e sentir o outro.

Passado o efeito sedativo que o aroma me proporcionara, ficaram impressões de cheiros triviais de mãos em cabos de malas de rodas, que cheiram a rodoviárias e seus bancos alaranjados. Cheiro de cortina de ônibus que cheira a cabelos de anônimos e seus milhares de xampus. Cheiro de cara amassada e olho grudado de viagem.

Cheiro de distância. Como inventar outro dele? Como permitir outra que não a versão tradicional daquele perfume? Sempre gostei apenas das versões tradicionais dos perfumes porque penso que cada fórmula é única e qualquer tentativa de aperfeiçoamento fere sua essência. Agora, sentada no sofá, sobre as pernas, respirando devagar para não gastar a única e mísera dose que me foi destinada, desse lançamento sem direito a autógrafo nem foto, me bateu uma vontade quase incontrolável de promover a extensão da fórmula e quebrar meu próprio tabu.

Quem sabe não seja esse o caminho. Quem sabe eu possa fazer melhor. Quem sabe eu consiga, por parte do dono da marca, um sinal verde para lançar a versão feminina. Landlady, muito prazer. 

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