sexta-feira, 29 de outubro de 2010

“O dedo podre do homem”

O ser humano consegue interferir no meio ambiente até após sua morte!

Por Jessica Pauletti (Projeto Comunica/UFFS-Realeza)

Muitos já devem ter ouvido falar sobre o chorume que é produzido nos lixões. Este é altamento tóxico e pode poluir os cursos hidrícos e, consequemente, afetar as pessoas que entram em contado com a água. Além deste tipo de chorume, temos um outro que é proveniente do líquido dos cadáveres enterrados nos cemitérios: o necrochorume. Este também possui características tóxicas, assim como o chorume dos lixões, no entanto, seus efeitos não são conhecidos, ou são poucos conhecidos pela população, podendo prejudicar a qualidade de vida dos indivíduos, sem que eles saibam.

Para saber mais a respeito do necrochorume, o Comunica convidou a professora de geografia, Dirce Rampanelli, que hoje trabalha no setor da documentação do Colégio Estadual 12 de Novembro, para falar sobre esse assunto, que tem a ver conosco, que sofremos a interferência da ação desse líquido em vida e somos produtores deste em morte.

Comunica: Professora Dirce, porque muitas pessoas nunca ouviram falar ou, se ouviram, sabem muito pouco sobre o necrochorume?

Professora Dirce: Dificilmente as pessoas dão a devida atenção ao tema, acredito que seja pelo fato de o cemitério ser um campo santo, um monumento à memória de entes queridos e que os vivos fazem questão de perpetuar ao longo do tempo, como que, se alguma violação ocorrer estejam cometendo um crime contra o corpo que está ali depositado. Acredito que a herança cultural que recebemos de nossos pais é que nos faz agir desse modo, fazendo-nos esquecer que aquele corpo em decomposição causa males imensos à saúde dos AINDA vivos.

Existem poucos escritos sobre os cemitérios e suas consequências, porque esse tipo de construção adquiriu a condição de inviolabilidade no que tange à pesquisa científica em seus diferentes aspectos, pois é olhada com reprovação pela maioria das pessoas, pois força-nos a lembrar de um lugar para onde vão entes queridos, sonhos e lembranças que acalentamos durante nossa vida e que, sem aviso prévio, nos é tirado.

ADMITIR QUE SOMOS CAPAZES DE DESTRUIR A NATUREZA MESMO DEPOIS DE MORTOS é algo impensável para a maior parte da população. Mesmo sabendo que já nascemos poluindo é complicado...(basta lembrar dos medicamentos usados no parto...).

Comunica: Como o chorume dos lixões, o necrochorume também é tóxico. Qual sua taxa de poluição? É maior ou menor que o dos lixões?

Professora Dirce: Bem, necrochorume, apesar de pouco divulgado, é um problema preocupante pois 95% da água potável do mundo está no subsolo, segundo a ABAS (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas). Os dados ainda não são muito precisos, visto a pouca literatura existente. Mas, vamos considerar um cadáver adulto de 70 Kg. Na decomposição, produz 24 litros de gazes variados e 30 litros de necrochorume. Este é rico, tem 60% de água, 30% de substâncias mineralizadas e 10% de substâncias orgânicas. É mais denso do que a água, tem cor acastanhada ou acinzentada, e muito mau cheiro. No nosso clima, o cadáver leva aproximadamente 3 anos para ser decomposto. A CADAVERINA E A PUTRECINA são substâncias geradas quando se morre, mas que na idade média eram utilizadas como veneno. A essas substâncias tóxicas pós morte, podemos acrescentar a quimioterapia, radioterapia, xampu dos cabelos, pasta dental, remédio de gripe e etc etc etc. Se você falece por exemplo, doente, vai carregar junto com a água que você tem no corpo todos os microorganismos que você tinha quando doente para o lençol freático que pode estar abaixo do cemitério.

Contudo, quero deixar claro que, segundo alguns estudiosos, nem todo cemitério contamina o meio ambiente. Quando o solo tem boa capacidade natural de depuração, com alto teor de argila, e o nível do lençol freático tem profundidade acentuada, permite o tempo necessário para que a ação dos microorganismos decomponha o necrochorume em susbtâncias simples, inofensivas ao homem. Neste caso, o necrochorume se transforma em adubo orgânico e as bactérias e vírus do cadáver morrem. O perigo à saúde pública só existe onde a localização dos cemitérios é inadequada. É necessário às companhias de água e esgoto de cada estado (como a CETESB, SANEPAR e a CASAN) e à vigilância sanitária que fiscalizem os cemitérios municipais.

Comunica: Existe alguma forma de tratamento já desenvolvida para ser aplicada ao necrochorume? E ele pode ser usado em alguma coisa?

Professora Dirce: O problema é grave e a resolução para este deve ser rápida! O Ministério do Meio Ambiente deveria criar uma cláusula na nossa Constituição que determinasse que cemitérios devem ser afastados das cidades, e também de lençóis freáticos, além de conter filtros. Esses filtros, apesar de terem um elevado custo, impedem que o necrochorume entre nos lençóis freáticos ou em rios e são a alternativa mais rápida e viável para o problema. Em minhas pesquisas a respeito do assunto, descobri que hoje já existem modernos produtos para solucionar o problema. As pastilhas podem ser consideradas uma ótima solução no que diz respeito ao necrochorume, elas contem uma imensa quantidade de bactérias selecionadas que possuem alta capacidade de digerir matéria orgânica, são colocadas dentro da urna funerária. Além da pastilha, existe também a Manta Absorvente de Necrochorume, considerado também um recurso eficiente. Ela é colocada dentro da urna revestindo todo o seu interior e, na medida em que o corpo vai liberando líquidos, a celulose vai o absorvendo, impedindo que o mesmo extravase e fazendo com que ele permaneça na urna pelo tempo necessário da decomposição sem contaminar a urna, a sepultura e o meio ambiente como um todo.

Comunica: Sabendo que se trata de uma questão de ordem pública e envolvendo a saúde das pessoas, na sua opinião, como os órgãos públicos lidam com esta situação?

Professora Dirce: A polêmica em torno das possíveis contaminações causadas pelas necrópoles ao meio ambiente forçou órgãos ambientais a fiscalizar e multar cemitérios públicos e privados. Em 1987, o Brasil foi o primeiro país do mundo a ter normas de procedimentos ambientais voltadas para cemitérios. Estas normas são definidas também em nível municipal, como é o caso de São Paulo, cuja resolução n.º 131/CADES/2009, determina os critérios para o licenciamento ambiental de cemitérios.

O problema do necrochorume acontece devido à falta de um projeto geoambiental e hidrogeográfico que é reforçada pela inexistência de políticas de manutenção e fiscalização nestes locais. É necessário que órgãos competentes e a sociedade saibam dos problemas ambientais provocados por cemitérios, informando-se e sensibilizando-se, propondo medidas de gerenciamento ambiental em relação à implantação e à manutenção de cemitérios na área urbana.

Acredito que na atual situação de preservação de nossos mananciais, a partir da problemática da água, os órgãos públicos se manifestem com mais praticidade.

Comunica: Falando agora mais precisamente da nossa cidade, Realeza, como este problema está sendo encarrado? A sociedade daqui tem noção disso?

Professora Dirce: Olha, eu não tenho nenhuma informação a respeito do cemitério de Realeza. Minha pesquisa está engatinhando ainda, não conversei com a vigilância sanitária daqui.

Comunica: Por que você se interessou em estudar esse assunto?

Professora Dirce: Esse é um assunto que me incomoda, por isso meu estudo particular sobre o mesmo. Como professora de Geografia e amante das questões ambientais, me incomoda ouvir sempre das pessoas a seguinte indagação: será que o problema de tantas doenças novas, especialmente o câncer que tem tanto em Realeza, é por causa da água? “Assim começou minha dúvida e minha atração pelo assunto”, mas não fiz nenhum projeto ainda sobre ele, com exceção de uma discussão online, via orkut, e pesquisa bibliográfica com meus alunos do 2º ano do ensino médio do Colégio Real.

Comunica: É possível uma parceria entre a senhora e os acadêmicos da UFFS, para a discussão e realização de trabalhos envolvendo o assunto necrochorume?

Professora Dirce: Com certeza, dentro das possibilidades de meu tempo, podem contar comigo.


O Comunica espera que após esta entrevista, os acadêmicos tomem conhecimento desse assunto e o divulguem, já que é de suma importância para todos, visto que nos interfere diretamente. Além disso, os estudantes podem se disponibilizar para a realização de trabalhos que visem informar tanto a população em geral quanto as autoritades. Desse modo, se inseridas as práticas indicadas pela professora, como o uso de pastilha e manta absorvente nas urnas, será possível garantir qualidade de vida para os que ainda estão vivos, preservando a lembrança dos que já faleceram.

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