quinta-feira, 10 de novembro de 2011

CONFISSÕES ENTRELINHAS - Conto

Por Felipe Weisheimer (C. E. Doze de Novembro)

Acordei, fui ao banheiro e parecia que eu estava chorando muito. Meu rosto estava inchado e meus olhos e nariz estavam vermelhos. Na pia, toda suja, estava uma luva preta. Resolvi pensar um pouco, e não conseguia lembrar porque estava assim. Depois de um tempo, roendo minhas unhas no escuro e escutando minhas músicas preferidas, tento não pensar em amor, ou algo do gênero, mas é isto que está fazendo meu mundo girar agora. Girar, ou cair, ainda não sei ao certo. Quando penso em melhorar, e esquecer o mundo lá fora, começa aquela música. Músicas tem esse poder. Elas mudam seu estado de espírito. Sinceramente "Beatles" nunca me deixaram tão emotivo quanto neste dia. Quando você começa a ficar triste você não quer mais voltar atrás, apenas quer continuar triste. Pelo menos por um tempo, ou até tudo escorrer pelos olhos.

Olhando vagamente os ponteiros do relógio, percebo que a cada dia as horas passam mais devagar e tudo cai num vazio tão profundo, que é mais fácil dizer o que é que não está me machucando. Eu ainda não acreditava que tínhamos terminado. No momento posso me definir frustrado, entregado, desesperado, jogado fora, e literalmente cansado. Cansado de levar uma vida tão distante das coisas boas. E com isso eu não quero dizer "sexo, drogas e rock n'rol". Meu plano não está funcionando. Na verdade eu descobri pouco tempo atrás que realmente eu tinha um plano. Posso imaginar o futuro, não tão distante, na verdade um futuro bem próximo. Não sei se tudo vai passar ou se isso é apenas uma estratégia de fuga da minha alma. Afinal, a última fuga não deu muito certo, meus pulsos já não estão mais intactos. E eu estraguei tudo, aliás, eu sempre estrago. O problema é saber que a culpa não é somente sua, e querer carregar o peso em suas costas. Então, o meu problema é ser quem sou? Espera aí, não dizem as más línguas de boas cabeças que ser único é bom? Ou será que isso é uma frase de alguma propaganda contra o preconceito? Não sei, são tantas perguntas e nenhuma resposta. E eu estou ficando mais irritado. As emoções estão borbulhando, como água fervendo, como um vulcão prestes a entrar em erupção.

Resolvi levantar da minha cama, arrumar meu quarto e tomar um banho. Quando abri a primeira gaveta do criado mudo, vi uma foto nossa. Estávamos deitados na grama da praça, perto daquela árvore em que entalhamos nossas iniciais. Realmente, era um amor idealizado. Fui novamente ao banheiro, desta vez jogar uma água no rosto, e vi você no reflexo do espelho. Não parava de pensar em nós, e como você me fazia ser quem eu sou. Vejo no corredor uma blusa no chão. Era sua blusa, aquela vermelha, que tinha esquecido aqui em casa e eu nunca devolvi. Ainda sentia seu cheiro nela, podia sentir você me abraçando. Voltei ao quarto e procurei assiduamente um livro. Ainda não sabia que livro estava procurando, podia ser Caio , ou Clarice, queria apenas me entorpecer com palavras que me fizessem ficar melhor. Jogado em baixo da cama estava um livro. Antes de pegar eu já sabia, era Caio. Mas como podia saber? A página 27 já estava marcada, era a nossa história. Não consegui ler, além de estar sujo, um pedaço estava rasgado. A sujeira era uma espécie de liquído. Parecia ser tinta vermelha, sangue, suco de tomate, ou algo assim. Resolvi então voltar a minha aconchegante cama, quando estico meu braço para poder me cobrir com o edredom, observo que tinha algo embaixo dele. Uma faca, suja, como tudo naquele dia, desde minha alma, aos objetos na minha casa. Imaginei ter usado para cortar pizza, sempre jantava e almoçava no quarto. O que também ia explicar a página - ou pelo menos meia página - suja do livro, molho de tomate. Mas não lembrava de ter comido pizza.

Alguns segundos depois, meu celular começa a tocar. Difícil achar no meio de toda aquela bagunça. Era Samanta, sua melhor amiga, é incrível como não parava de pensar em você. Tudo e todos me remetiam a sua imagem. Pensei duas vezes antes de atender. Minha cabeça estava pesada, minha voz rouca, mas sabia que se não a atendesse, ela viria pessoalmente. Resolvi dar uma chance para a garota. Quando disse que estava na linha, logo escutei Samanta chorando, soluçando, sem parar. Ela não me deu brecha alguma para falar, e disse que ia ser direta. Falou que tinha acontecido uma tragédia, um assassinato. O crime foi hediondo, ele usou uma faca para degolar, e escrever no corpo da vítima uma citação de Caio Fernando de Abreu. A única pista do assassino era um pedaço de papel, uma página de livro, número 27. Por fim, Samanta disse que esperava que eu ficasse bem, afinal não fazia nem oito dias que eu e a “vítima” tínhamos terminado um relacionamento de quase um ano.

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