terça-feira, 22 de novembro de 2011

CRÔNICA

 Willian, meu caro,
  
Passei noites pensando na camiseta que usaste para levar o lixo pra rua, naquela madrugada enluarada. Camisetas falam muito. Veja bem.

Patrícia.
Levante pro alto e comece a rodar

Por Patrícia dos Santos (Letras/ UFFS)

_ Toc toc!

_ Quem bate?

_ É o pequeno príncipe!

O fato é que ele não disse exatamente isso, mas foi isso que eu ouvi naquele momento em que meus sentidos trabalharam num sistema fordista de reconhecimento do amor da minha vida.

Era uma vez uma mulher viajando para outro estado, envolvida em todos os percalços que qualquer viagem promove: calor, sede, dor nas costas, intestino preso. Que atire a primeira pedra quem não fica com o intestino preso em viagens. Mas atire no cara que inventou o “iogurte milagroso” que não funciona, por favor.

Retomando o fio romântico desse texto que já começou às avessas, assim como a viagem em questão, encontrei o pequeno príncipe numa sala absurdamente gelada. A acústica do local promovia aquela sensação de quando a gente tranca o nariz e expira, e os assuntos da pauta sinceramente não metaforizariam com qualquer tipo de flor de árvore de fruta.

Ele usava uma camiseta incrível, simples, branca, com pequenos desenhos legendados em letras menores ainda que indicavam se tratar de literatura de cordel. Sentou, respirou fundo e passou a falar tudo com os olhos. Nunca na minha vida alguém disse tanto sem falar nada. No bom sentido. No sentido de conversar qualquer coisa e mesmo assim ser complexo, tamanha a profundidade do descompromisso.

Se eu tivesse que dar um conselho às moças do século XXI, diria: escolham seus rapazes pela camiseta. Se pudesse aconselhar esses rapazes diria: digam-me as camisetas que vestem e lhes direi quem são. Camiseta fala muito, às vezes mais que o olhar do petit prince, que me olhou como se fosse eu a flor que ele protegia com uma redoma de vidro no seu planetinha silencioso.

Camiseta branca dá sempre certo, boy, não tem erro. Assim como a preta. Listras horizontais para um ar mais maduro. Verticais nunca. Gola V se você depila o peito. Do contrário, nem pensar. Vale vermelho, azul marinho, cinza, vinho, grafite, verde escuro. Verde limão, alaranjado fosforescente e amarelo emoticon, só para não se perder da turma em grandes eventos. Bege, se quiser parecer apático.

Pode pólo, pode rosa. O que não pode é regata. Camiseta de time fora de contexto também não rola. Assim como não agradam aquelas que trazem piadinhas machistas e/ou alcoólicas. Ah! Nem coladas demais, pra que a gente veja tudo. Nem grandes demais, pra que a gente veja nada.

Protestos, bandas, filmes, grandes personagens e personalidades, séries, jogos. A camiseta que tem a ver com você está liberada. Só não vale bancar o pseudo-admirador de alguma coisa que na realidade não te desperta interesse. Tem que ser natural, tem que ser leve, tem que ser simples. A camiseta não deve falar mais que as mãos, os olhos.

Ao final da fala do palestrante, já com os lábios congelados, voltei de dentro daquele olhar grave, que parecia querer me eternizar, sem ao menos desconfiar onde meu pensamento andava. Levantei e fui até ele para avisar que camiseta com literatura de cordel, só se quiser me conquistar.

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