quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Cheiro nada esquece

Uma crônica com perfume sentimental

Por Willian Moura (Ciências/Realeza)

Quem nunca se deparou, ao chegar em algum lugar, com um cheiro que, repentinamente, remeteu a certas memórias, fazendo com que vasculhasse sua cabeça? Daí vem aquela sensação de déjà vu, sua mente gira por lembranças mórbidas, esquecidas com o tempo. Lembranças estas que fazem parte de um passado sombrio, obscuro, no estilo “eu sei o que você fez no verão passado”, ou, por vezes, feliz.

 
Lembranças felizes como as que tenho quando docilmente me recordo do cheiro da casa da minha tia. Quando era criança aprontei horrores ali, fiz de tudo um pouco durante minhas férias, sempre saindo com aquela carinha de malandro, de safadinho, que acabou de fazer a pior coisa do mundo, e fica se achando como se fosse “a última bolacha do pacote”. Cheiro de arte, mas não aquela arte que vemos em museus, como quadros, esculturas ou estátuas que, a propósito, também possuem cheiros únicos. Poderia eu dizer que, uma vez, passeando por um museu, me deparei com o Abaporu e consegui me deliciar na finíssima fragrância do caríssimo perfume francês que Tarsila do Amaral estava usando ao pintar a bela obra de arte. Mas não é esse o cheiro da arte da casa da minha tia e, sim, da arte da travessura, das traquinagens de moleque. É esse o cheiro que me faz lembrar de tudo o que aprontei naquela casa.

O tempo que havia amanhecido bom, com sol e poucas nuvens, do nada, se revoltou e se transformou em pancadas de chuva. Fortes pancadas de chuva. E aquele cheiro de chuva, de terra molhada, de um dia quente que rapidamente se esfriava, deu um back em minhas lembranças. Revivi calmamente o que de mais especial eu pude guardar. Me vieram infinitas lembranças na cabeça de uma vez só: tomar banhos de chuva com a turma da rua, pular em poças d’água, dormir um pouco mais até tarde e não ir para a escola, pois estava chovendo... Mas o que mais me manteve estático foi a imagem de minha avó, que Deus a tenha, sempre calma, preparando bolinhos de chuva para o netinho, que não parava de encher pedindo-os feito um doido. Essa avó, agora já não estava mais ali naquele dia chuvoso, gentilmente fazendo o papel de vovó coruja, que mimava seu neto, fazendo todas as suas vontades. Veio aquela saudade enorme, daquilo que não volta, e tudo graças a um cheiro: o delicioso cheiro da chuva.

Pobres dos anósmicos, que nunca poderão reviver momentos do passado através do cheiro das lembranças, doce cheiro das lembranças, umami cheiro das lembranças, aquelas que voltam instantaneamente no auge de um momento qualquer, em um lugar qualquer. E o porquê de esse esquecimento com os anósmicos? Não sei, as pessoas cegas são vistas, as surdas escutadas, mas por que ninguém se importa com a curiosidade que uma pessoa com anosmia terá em conhecer o cheiro de uma comida, por exemplo? Aliás, nunca diga a um anósmico, algo do tipo: “Que cheirinho bom essa macarronada!”. Para eles, isso seria uma ofensa. É como se você estivesse falando russo para alguém que mora em Antígua e Barbuda.

Barbuda é aquela fofoca cabeluda. O cheiro de uma fofoca cabeluda é inconfundível, assim como aquele ar de maldadezinha que invade o ambiente e as faces das pessoas presentes na roda. O cheiro da fofoca cabeluda deixa os outros sentidos estranhamente aguçados. É um cheiro precavido e interessado, de mamão papaya misturado com curiosidade. Consegue imaginar?

Com a imaginação, tudo é possível! Você pode ouvir cores, sentir o cheiro de lembranças, ver sons e tudo o que de mais fantástico puder imaginar. A imaginação é única. A propósito, pra você qual é o cheiro da imaginação?

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